A verdade é que eu não sei escrever. E por isso eu desenvolvi quase sem querer a arte de ser teimosa. Eu insisto em tentar organizar minha desorganização profunda. O personagem desse texto é um eu que na verdade não o é. Deixo de ser no segundo seguinte ao que escrevo. Devo estar quase louca. É por isso que escrevo tão pouco. Essa sensação de não pertencer a nada, da solidão mais pura me assusta. E o texto que insisto em fazer não é um texto autobiográfico. Não sei falar sobre mim. Não sei mentir, enfeitar, colocar palavras aqui e falar sobre o que eu não entendo. Também não quero entender tudo, prefiro apostar no mistério das coisas. As coisas que andam, as coisas que nascem, as coisas que vemos escondem tanto mistérios. Eu não questiono, só observo.
Escrevo para tentar descobrir algo que me falta, na tentativa de ser mais fiel aos meus impulsos. Sou desconexa. Meus raciocínios se perdem ou se confundem entre si no labirinto que me ergue. Milhões deles. Raciocínios que se batem o tempo todo e me deixam exausta, neurótica, num ritmo frenético. Vivo assim. Numa rapidez que muitas vezes me impede de tornar o papel meu cúmplice.
Não sei escrever sob encomenda. Porque ultrapasso todos os possíveis prazos. É uma morte cheia de vida. Não sei criar envolto por determinações. Me sinto presa à algo que não gosto e muito menos sei dizer o que é. Apenas recuso, corro, salto muros. Pinto em paredes já sujas e cheias de vida. Eu tento, mas o acerto nunca é garantido.
Dia desses percebi que ando de mãos dadas comigo mesma. Meus dedos abraçados e cheios de cumplicidade conversaram sobre a minha própria solidão. Eu os ouvia quase sem querer, envolta por um silêncio de profundo respeito.
Eu não acredito que o tempo passe. Deve ser por isso que sou sempre iniciante. Queria pular o início, como quando Deus decide algo e esquece de nos avisar. Todo novo texto é como um primeiro encontro. Rápido, envergonhado, cansativo. Perdido. Uma sensação estranha e íntima com o desconhecido que abrigamos. É difícil unir todos esses que sou na tentativa de escrever algo que não tem fim. Os textos são como pessoas que andam por linhas atemporais no universo, sem caminho certo a seguir.
Ângela Pralini
Imagen: "Mulher em preto e branco" por Beto Leite
3 comentários:
que tortura é escrever para alguns.
"Morte cheia de vida."
Profundo é pouco!
Escrever sob encomenda é foda
Escrever sobre encomenda
Escrever sobre
Escrever
É
Foda
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